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sábado, 8 de janeiro de 2011

DIA NACIONAL DO FOTÓGRAFO


08 DE JANEIROFotografia, história e cultura nas imagens do Foto Cine Clube do Recife, em 1950.

A fotografia acima é de autoria de Alexandre Berzin (1903 1979), fotógrafo que atuou no Recife entre 1928 e 1979. Foi produzida na década de 1950: em 1951 é premiada num concurso de fotógrafos amadores (Salão Interno do Foto Cine Clube do Recife) e em 1954 é publicada em um dos catálogos do I Salão Nacional de Arte Fotográfica de Pernambuco , organizado com a intenção de chamar para a cidade do Recife, fotógrafos de algumas cidades do Brasil Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Campinas, Rio de Janeiro, Niterói, São Carlos, Santo André, Barretos, Blumenau, Jundiaí, Jaú, Vitória, Salvador, Santos, Aracaju, entre outras, além das cidades de Bordeux, na França e Buenos Aires e Salta, na Argentina - que também possuíam clubes de fotografia e com as quais o Foto Cine Clube do Recife se correspondia.

Em cerca de quinze anos de existência (1949 1964), o FCCR criado por, entre outros, Alexandre Berzin, participou de cerca de trinta e cinco Salões de Fotografia, por todo o Brasil sem contar os certames internos.

Entre 1954 e 1957, quando realizou seus três salões nacionais, foram inscritas 2476 fotografias, sendo aceitos, para as exposições e julgamentos, 655 trabalhos. No primeiro evento, a mostrar o efeito popular da fotografia, o de 1954, registrou-se a freqüência de um público de quarenta mil pessoas.

O título e os números do I Salão não são apenas pomposos, mas também indicam que esses fotógrafos faziam parte de uma mesma experiência, compartilhada em todo o território nacional, um movimento nacional das artes fotográficas , melhor dizendo, de um circuito social da fotografia que não está circunscrito apenas à esfera das grandes cidades, muito embora ele diga de cada cidade específica onde a fotografia foi praticada e tais imagens produzidas: o fotógrafo do Recife nessa época possuía um perfil de profissional autônomo, de funcionário público, de comerciante.

Como outras entidades que atuaram no mesmo período, a exemplo o Movimento de Cultura Popular, MCP, e a Sociedade de Arte Moderna do Recife, o FCCR era regido por estatutos que definiam o próprio grupo, as suas ações, e encaminhavam suas produções através da promoção de debates, com eventos musicais, exibições de cinema e muita fotografia.

Pernambuco vivia uma época de ascensão de grupos empreendedores, ligados ao projeto desenvolvimentista da Frente do Recife que, menos regionalistas, mais cosmopolitas, se preocupavam com os índices alarmantes de miséria nas beiras dos mangues. Estes grupos se importavam também com a cultura, com o que se apresentava como próprio do lugar social e histórico.

Alexandre Berzin, nascido em Riga, na Letônia, fotógrafo que, de tão pernambucano que era tornou-se alemão, não chegara ao Brasil por conta da segunda guerra mundial, como muitos migrantes europeus o fizeram atraídos pelas possibilidades de uma indústria nacional emergente.

le já estava estabelecido em Pernambuco há algumas décadas e colhia os frutos desse convívio com a tradicional sociedade pernambucana, compreendendo, assim, em seu olhar estrangeiro, sua percepção dos costumes e sua imagens mais bem fabricadas. Instalado na Rua da Imperatriz n° 246, onde hoje há a lanchonete a Sertanense , Berzin já fotografara para um público vasto: pessoas comuns, profissionais liberais, do comércio, das indústrias, das instituições públicas. Sua postura como fotógrafo nos faz lembrar a de um velho senhor de poucas palavras (nós buscamos algumas) - para outros, talvez, menos entendidos, um velho senhor louco -, que respirava fotografia, ou melhor, que fizera da fotografia sua vida.

Olhos claros, pele queimada de sol (as fotos em preto e branco o revelam), sábio, artista da máquina, capaz de explorá-la em gabinetes e ao ar livre, nas reuniões onde aparecem os mais variados personagens da cidade. Berzin era também um excelente laboratorista e conhecia a matemática da fotografia, sua geometria, sua energia iluminada, sua química. A imprensa da época, desde 1941, melhor referenciá-la, já dizia a que vinha o velho alemão :

O caráter (sic) do Recife só agora começa a surgir através da fotografia. Através dos fotógrafos que, ao contrário daqueles de antigamente, preocupados com a fidelidade do motivo e com o equilíbrio gráfico da composição, procuram sentir a poesia dos quadros e das paisagens, a emoção e o romance das cenas vulgares da cidade. Rebelo, Oscar Maia, Lula Cardoso, Ulisses Freire, Jujú, são alguns desses (sic) fotógrafos camera conscious que começaram a ver a cidade com o recurso da objetiva de uma máquina. Benício W. Dias e Alexandre Berzin, o primeiro amador e outro profissional (...) - têm produzido a mais larga documentação da cidade. Documentação sem a forma rígida da reprodução, mas com um profundo sentido interpretativo. O céu da cidade, a linha tortuosa dos arrecifes, as barcaças e lanchas, as massas luxídias das mangueiras do arrabalde, bem como a vivacidade e a inteligência dos tipos populares, certo mistério de velhas ruas do bairro de São José tudo isso aparece nas fotografias desses (sic) artistas com o seu verdadeiro sentido, com um destaque em certas linhas, em certos preto e branco de modo a revelar um significado mais real, mais intimo, que é o próprio carater (sic) do motivo, quer se trate de uma paisagem ou de um tipo. (...) Dando-nos céus com tôda (sic) a riqueza das suas nuvens, [?] que são mesmo do Recife, o céu que a gente conhece, nos arrecifes que são na verdade a paisagem fotográfica, dos versos inflamados do poeta: Recife imenso de pedra, rasga o peito do mar . (Comunicado da Diretoria de Estatística, Propaganda e Turismo).3

Se, em 1941, o artigo os fotógrafos do Recife assinalam Berzin e Benício Dias (1914 1976) como luminares representantes de uma geração que aprendeu a ressaltar a emoção e o romance das cenas vulgares da cidade captadas por seus fotógrafos; por eles que resolveram olhar a velha cidade não mais ao largo, mas em close-up, um outro artigo, de 1945, celebra o 1º Salão de Arte Fotográfica do Recife no qual estes fotógrafos são também protagonistas. Fala-se também de um novo estatuto da fotografia (algo que parecia haver começado a pouco em Pernambuco), colocando-a num estado intermediário entre a arte e a técnica, como resultado do movimento do olhar ou da inquietação do fotógrafo, de sua presença, proposta que, desde então, girava o mundo. Constatava-se que:

A cidade sempre teve os seus fotógrafos. Mesmo quando a técnica não oferecia os recursos de hoje: quando o fotógrafo era traído pelo material, tornando a boa chapa o fruto de uma habilidade especial da inteligência. Hoje, as boas câmaras, as objetivas luminosíssimas (sic), os aparelhos auxiliares de medição da luz têm reduzido a função do fotógrafo a um mínimo, sem que, todavia, seja absorvida aquela parte mais importante que é a da inteligência, do gosto (sic) artístico (sic), da sua capacidade de sentir e interpretar. A fotografia tem mais de arte que de técnica. Os seus recursos materiais podem, apenas, dar reproduções fiéis, bem enquadradas, nítidas; mas nunca uma composição que sugira determinado estado de espírito, um caráter, um temperamento; que, por outro lado, seja dentro da realidade, (fruto do instrumento e da técnica - por conseguinte, uma limitação do artista) - uma composição que, por assim dizer, tenha um significado maior que o do próprio motivo, fixando o seu caráter, o seu conteúdo, o que ele (sic) tem de misterioso, de poético, cuja existência é apenas uma intuição para a maioria. O artista é justamente aquele que sabe ver e fixar esse (sic) imponderável.

O certame de 1945 pode ser considerado um divisor de águas da fotografia que se fazia no Recife; fotografia que, no instante, passa a declarar um conteúdo emocional que diz não apenas do fotografado, mas da experiência do próprio fotógrafo que escreve e pensa a fotografia antes e depois do ato fotográfico, sem os imediatismos de uma vida moderna que delega aos instrumentos criados pela mão humana todo o sucesso na captura de imagens. Estas fotografias são feitas explorando também as velocidades e efemeridades modernas, temperando-as através dos snapshots, os instantâneos, os momentos fugidios, que não se repetem, a pequena centelha do acaso que chamusca a imagem 5. Acompanhemos, por exemplo, o relato de Benício Dias sobre O Beco do Marroquim , fotografia de sua autoria que venceu o Salão de 45, evento precursor dos salões de 50:

Sempre namorei aquêle (sic) beco, diz: E um dia, quando ia passando, percebi uns meninos brincando, despreocupados. Era a minha oportunidade. Aproveitei, o mais, aquele transeunte espremido para passar, o mais foi sorte do fotógrafo. Essa sorte que sempre ajuda a gente...


Refletindo suas experiências como diante de um espelho, esses fotógrafos se vêem incluídos num sentimento de universalidade para com o fazer fotográfico, como se compartilhassem de uma nova semiótica da cidade. Fazendo uma história da fotografia no Recife a seu modo, comungavam de uma verdade (uma outra verdade), que dizia que a beleza , seu principal interesse, está em toda parte e que só é preciso saber captura-la em seu esteio de eternidade.

Podemos, com nossos olhares atuais, entender, se quisermos, esta beleza expressa como o sublime (algo que chama atenção, que envolve, emociona e faz contemplar), não necessariamente como o belo clássico, de harmonia de formas e proporções. Neste sentido podemos utilizar tais representações e imagens como experiência compartilhada também num lugar determinado, o lugar que o crítico ocupa, que o historiador ocupa. Para a história, imagens podem ser consideradas mais ricas se criadas sem o aparato visual facilitador, se criadas mental e literariamente8. Mas o que sabemos é que o ato fotográfico nem sempre se concretiza numa fotografia e que o fotógrafo vive como que criando imagens mentais, sucessivamente9. Quem já não ouviu um fotógrafo exclamar que isso ou aquilo daria uma boa foto? Tendo sido a imagem retida em sua lembrança, a qual depois ele inclusive vai poder acessá-la, descrevendo o que viu.

Existe também a perspectiva de estudar a história a partir de fotografias, tomando a fotografia como problema e não somente ilustração10. Comparando a história à fotografia,diríamos, por exemplo, que a história pode ser como as ondas que se formam quando arremessamos uma pedra no rio, no tempo da imersão da pedra encontramos a fotografia, o evento. A fotografia como objeto impresso em substrato bidimensional, sintetiza num único registro essa pequena experiência de vida, de vida congelada, suspensa, a ser vista. Para reforçar essa visão imaginemos o fotógrafo como um caçador, um colecionador de imagens do mundo. Para tanto, para caçar, ele se equipa com acessórios: tripés, filmes velozes, objetivas de alta luminosidade e alcances diversos, filtros, flashes. Mas, a fotografia está dentro, latente, e uma simples câmara com uma objetiva, que pode ser apenas um buraco de agulha, pode fazer uma foto encantar, pois o encantamento estaria no próprio fotógrafo e naquele ou naquilo que ele observa (por onde se coloca ao observar), com quem ou o que se estabelece um diálogo.

O acontecimento histórico, em fotografia, ainda mais, poderia passar como a imagem de um cachorro mergulhado num rio um evento no rio da história - que nunca é o mesmo, que quando penetrado produz ondas (representações, narrativas, reflexões) de alcance como as ondas luminosas, cujas extensões são variáveis, mas iguais a si mesmas (iguais ao fotografado) até o infinito12. De outra forma a fotografia do cachorro na água nos incita a pensar na possibilidade da imagem do cachorro morder no futuro, mostrando que na pós-modernidade (ou anti-modernidade), que é o nosso presente, há uma transferência do interesse existencial do mundo concreto para a imagem , quando a fotografia deixa de ser impressão de luz - numa combinação de reações físico-químicas - em suporte material e passa a ser eletro-magnetizada, digitalizada, invadindo e modelando nossas experiências mais íntimas.

Então, retomando as representações da cidade que nos chegam através dessas imagens, escolhidas pelo historiador, como o faz o fotógrafo, temos que, além de localizar estes mesmos fotógrafos num circuito social da fotografia no Recife, aquela nota de jornal, reproduzida inicialmente, acentua também que há agora, em 1950, uma outra forma de olhar a cidade e construir sobre ela seus espaços de convívio e lazer, outros desenhos. É por isso que esses fotógrafos são também batizados com a expressão câmera conscious que, para nós, poderia soar como algo como: fotógrafos que conhecem a experiência de fotografar e que, por isso, sentem-se disponíveis para criar novos aspectos da paisagem que, até então, não são de todo perceptíveis pelo homem comum ou mesmo fotógrafos que sabem explorar as luzes da cidade, suas sombras, suas verticalidades, suas geometrias e que sentem o quão importante é caminhar por ela e conhecer seus mais recônditos lugares aqueles lugares que de tão freqüentados passam despercebidos. Saber manusear o equipamento fotográfico, saber esperar as melhores luzes e saber cortar, dessa paisagem iluminada, melhores cenas, ângulos diversos, imagens que contam pequenas histórias, que possibilitam uma aproximação com o cotidiano do Recife, em suas minúcias quase imperceptíveis. A cidade, assim, já não é mais a mesma e ela se apresenta muito mais próxima daquilo que somos hoje. Recuperarmos essa experiência através da imagem moderna do caminhante no Beco do Marroquin , à luz de uma flaneulerie benjaminiana. Com o Beco , o casario antigo do Recife torna-se, denotativa e conotativamente (visualmente) acessível, mesmo aquele que é visto apenas como lembrança, pois já não existe mais nos bairros centrais de Santo Antônio e São José.

Esses fotógrafos, acentuamos, não se deixariam conduzir pelo automático , pela repetição de cenas já dadas. O equipamento não os domina14. Colocam-se de alguma forma à disposição para encontrar, no ao redor cotidiano, o incomum, uma sutiliza de formas, às vezes estranhas, às vezes mais acessíveis ao paladar simples e brincalhão do homem comum. Mesmo quando, a imagem já está pronta, ainda é possível manuseá-la, recortá-la em laboratório, mostrando o que foi flagrado, acentuando o contorno do assunto que se pretende, mais ainda, mostrar. Esta operação demonstra uma disposição para o exercício, para perceber e mostrar a coisa sendo feita, sendo experimentada, que é para nós também, uma experiência que pode ser tomada como exemplo de fabricação de história, de sua escrita.

É o que acontece com a fotografia As sombras do frevo , a segunda fotografia aqui reproduzida. Berzin não se contenta com o que fotografou e visualiza outro ângulo, constrói outro território imagético a ser mostrado, acentua outra história a ser contada. Ele não quer o folião apenas frevando , muito embora fosse um admirador de cenas carnavalescas que se proliferam em sua Coleção15. Ele quer a sombra do folião frevando. O que poderíamos pensar a partir do que ele mostra? As respostas ficam aqui a critério de leitor, do observador, do historiador.
As possibilidades narrativas são muitas. Poderíamos problematizar algumas possibilidades: o nordestino que é antes de tudo um sofredor, porém forte, não abdica da alegria ele ferve, ele freva. Mas, e se não foi isso o que Berzin quis dizer quando cortou do frevo sua sombra? Não o temos mais para ouvi-lo. A sombra do frevo mostra a alegria distorcida do brincante, é somente preciso imaginar e ouvir a melodia.

Concluímos esta comunicação considerando, portanto, que a produção fotográfica do FCCR nos leva a pensar o fotográfico no sentido de exercitar nossa sensibilidade, através dos exemplos de Benício Dias e Alexandre Berzin, pesquisador e professor, o que vai, no caso específico do nosso trabalho, abrir algumas possibilidades de investigação como: 1. a de situar o lugar da fotografia amadora do Recife no cenário do Brasil e Internacional, distinguindo-a da fotografia profissional (a fotografia do retrato e/ou a foto institucional) e do fotojornalismo; 2. a de explicitar representações da cidade em 1950, através de imagens que se distinguem por buscar aquilo que está em toda parte e 3. a de apontar uma geração de fotógrafos que se lançou nessa tarefa de re-apresentar a cidade, ensinando-nos a re-vê-la. Neste sentido faço ainda uma homenagem a Alexandre Berzin e Benício Dias, fundadores da experiência fotoclubista no Recife.

De Benício já temos seu registro em O Beco do Marroquim , experiência reproduzida anteriormente; para Berzin, acompanhando aquela outra experiência, era preciso aprender a ver, aprender a andar com os olhos abertos porque a fotografia (esta pintura de luz) exige sentimento, se obtida de uma idéia pré-estudada ou se brindada pelo acaso.

Assim é que podemos finalmente perguntar: se uma imagem fotográfica já é uma inversão quando eu a apresento, devo mesmo perseguir o estatuto da verdade e da realidade, quando olho fotografias e pretendo refletir sobre elas? Pensemos que é o próprio meio a fotografia que nos incita a refazer este questionamento. Representações e imagens não são o mesmo. Mas, no caso da visão fotográfica criadora de imagens, as representações orientam o destino de uma fabricação de sentidos que só pode ter relação com quem as produziu.

Em relação ao presente do historiador que se propõe a olhar a cidade moderna, esse questionamento pode ser visto como um exercício de imaginação, como formas, espaços e tempos, recortados pela escrita do historiador. Tempos incoativos que imaginamos poder recuperar (de estrutura e de evento), tempos contidos em cada fotografia em sua profundidade. Tempos que podem referenciar uma eternidade que pode ser decodificada e que será lembrada em algum momento futuro e que indicará também o não lembrado, o esquecido e o corte instantâneo que joga o observador no encontro do acaso parece, sim, que aprendemos algo com Berzin e Benício.
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Fonte: www.pgh.ufrpe.br

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